ENCOUNTERS IN THE RIGHT AND LEFT HEMISPSHERES:
QUADRO CONCEITUAL / OPERACIONAL
Encontros nos Hemisférios Direito e Esquerdo é um projeto baseado em arte performática que explora o impacto que eventos fortuitos provocam no desenvolvimento de um relacionamento entre duas pessoas de gerações diferentes, que mal se conheciam anteriormente. Foi necessário que Tássya Karasiak e eu revelássemos aspectos importantes do passado e abordássemos nossos encontros de maneira franca e honesta.
O projeto foi composto por quatro tipos de encontros em vídeo e/ou áudio:
1/ Encontros em vídeo de ação/reação entre mim e Tássya, seguindo o protocolo operacional:
Seleção randômica para determinar quem iniciaria o primeiro encontro (alternando-se os papéis posteriormente). A pessoa designada, o iniciador, escolhe ao acaso uma ação dentre a seleção de dez opções, que correspondem a ações cotidianas relativamente banais, encontradas diariamente em qualquer comunidade – ações por vezes positivas, outras, negativas.
O outro participante, reator, igualmente de maneira aleatória, escolhe uma reação entre uma seleção de dez opções, dentre as quais, metade são idênticas às ações propostas.
Não foi permitido aos participantes que comunicassem as ações escolhidas entre si.
Os encontros foram realizados frente-a-frente ou com um participante posicionado posteriormente ao outro. Tais configurações representam possibilidades radicalmente diferentes quanto à capacidade de um participante de ler ou antecipar a ação/reação do outro.
O encontro se inicia com os participantes tomando posição, permanecendo perfeitamente imóveis e concentrados na presença da outra pessoa por pelo menos quinze a vinte segundos antes de iniciar o encontro. Após o primeiro ciclo, em que o reator responde à ação do iniciador, ambos ficam livres para interromper sua participação ou continuar o encontro da maneira que escolher. O ciclo de ação/reação é finalizado quando um dos participantes encerra a performance. A seleção aleatória inicial de uma reação, no entanto, acabou por ser abandonada, sendo mantida no protocolo apenas a ação escolhida inicialmente, suficiente para provocar interação prolongada entre nós.
Nenhuma comunicação verbal foi permitida durante esses encontros.
Nenhuma ação/reação que pudesse colocar em risco a integridade do outro participante, resultar em injúria física ou dano emocional foi permitida.
O potencial de incongruência entre ações iniciais e as reações promovidas pelo acaso se fez parte integrante do processo conceitual. Consistia em uma maneira de abordar a noção de mensagens incompreendidas, bem como de provocar situações desconfortáveis e confusas que estavam além do nosso controle.
2/ Momentos de socialização e partilha entre nós, os quais foram estruturados e filmados em três contextos sociais específicos:
Uma discussão aprofundada dedicada aos nossos gostos musicais variados.
Uma tarde de conversas sobre vários assuntos de nosso interesse, enquanto tomávamos vinho.
Um jantar para simbolizar o encerramento dos nossos encontros nesse projeto.
3/ Encontros (áudio e vídeo) com um eventual público, nas seguintes formas:
Depoimentos sobre tópicos específicos relacionados a emoções remanescentes e reflexões que dizem respeito às lembranças de eventos/situações particulares que marcaram nossas vidas. No contexto desses depoimentos, não foram referenciados nomes de outras pessoas envolvidas ou mesmo a exata natureza do evento em questão. O objetivo era simplesmente abordar traços emocionais e psicológicos deixados para trás.
Depoimentos sobre nossos sentimentos em relação à evolução do projeto e pensamentos em relação um ao outro.
A revelação de segredos.
Esses encontros foram filmados e/ou gravados no estúdio, individualmente, com a finalidade de evitar interferências não intencionais.
4/ Entrevistar um ao outro (áudio e vídeo), nas seguintes formas:
Entrevistas formais em vídeo, nas quais cada um respondia a uma série de perguntas previamente acordadas.
Entrevistas informais, em áudio e/ou vídeo, que permitiam perguntas espontâneas.
Nos depoimentos e entrevistas, senti que, em geral, era importante que Tássya e eu falássemos nossas línguas nativas (português e inglês, respectivamente) e que nenhuma legenda ou tradução fosse incluída tanto nos vídeos, quanto no livro. À primeira vista, isso pode representar prejuízo, ou limitação, ao entendimento do público, impossibilitando a apreensão integral dos encontros, e tal impressão é correta. Indubitavelmente, tal escolha interfere na possibilidade do público de entender plenamente o que está acontecendo. Mas o que poderia ser mais realista? Na vida cotidiana, qual a porcentagem de um grupo qualquer de observadores entende completamente tudo o que está vendo ou ouvindo? Quer percebamos ou não, quase sempre formamos nossas opiniões sobre situações baseadas em informações rigorosamente inadequadas. Esse é o caso aqui. O público irremediavelmente irá inferir uma pluralidade de verdades divergentes da matéria-prima que as performances configuram. Meu objetivo não é proporcionar uma plena assimilação de nossos encontros, ao contrário, é oferecer uma experiência imperfeita deles, que levanta questões pessoais para o público.
CONSIDERAÇÕES ESTÉTICAS
Todos os encontros foram realizados em uma pequena sala branca de vinte metros quadrados, sem qualquer tipo de decoração. Duas poltronas e uma mesa estavam disponíveis, quando necessário. Exceto isso, a sala estava vazia. Outros requisitos estéticos específicos foram estabelecidos da seguinte forma:
Somente roupas pretas eram permitidas para evitar distrações baseadas em vestuário.
A noção de ciclos que compreendiam inícios e fins foi central no projeto, assim como a ideia de esperança, referente à nossa tendência natural de antecipar resultados positivos de qualquer tipo de relacionamento voluntário. Era importante para mim que o perfil cromático do universo que estávamos criando fosse capaz de refletir tais noções e, por isso, escolhi uma paleta baseada nas cores do nascer do sol/pôr do sol. Essa gama de cores douradas, amarelo-avermelhadas, caracterizaria a maioria dos encontros de ação/reação, com exceção dos encontros em que estávamos vendados. Para estes encontros, a paleta elaborada consistia de pálidas cores e preto e branco.
Com exceção das entrevistas e depoimentos, todos os outros vídeos foram apresentados em câmera lenta para facilitar o estudo da evolução de expressões faciais e gestos, muitos dos quais normalmente seriam imperceptíveis em velocidade normal.
Era importante que o ambiente do encontro fosse percebido como um universo alternativo. Também era importante para mim que a percepção do público sobre esse ambiente não fosse perfeita e que a vulnerabilidade que nós dois inevitavelmente sentíamos, fosse percebida como protegida, pelo menos até certo ponto, pela existência de uma cortina semi-opaca. Eu senti que a existência dessa barreira reforçaria a noção de público como voyeurs, um relacionamento que eu considerava importante para a capacidade do público de se sentir implicado em um nível profundamente pessoal pelos nossos encontros.
Essas qualidades estéticas básicas foram elaboradas no início do projeto, permitindo que elas impregnassem a nossa mente e nossa abordagem do ambiente em que estávamos atuando. Havia vida dentro e fora do universo que estávamos criando, e não eram as mesmas.
DIRETRIZES DE PRODUÇÃO
Como o objetivo declarado do projeto era provocar a evolução de um relacionamento imprevisível ao longo do tempo, era importante que a apresentação final do trabalho respeitasse a integridade das performances. Com exceção das características estéticas discutidas acima, nenhuma edição (por exemplo, corte/junção) das gravações de vídeo e áudio foi permitida e as seguintes diretrizes foram aplicadas:
Ninguém estava atrás da câmera durante as filmagens dos encontros. A câmera era simplesmente uma testemunha.
Os vídeos deveriam ser apresentados na íntegra exatamente como foram gravados.
Todos os vídeos e áudios foram feitos em primeira tomada, novas refilmagens não eram permitidas.
Essas diretrizes obviamente implicavam que certos encontros poderiam sofrer falhas técnicas (por exemplo, problemas de enquadramento e/ou foco devido a movimentos imprevistos). Também significou períodos em que muito pouco parecia acontecer, à medida que reuníamos nossos respectivos pensamentos e sentimentos sobre como proceder durante alguns encontros. Tais falhas foram simplesmente aceitas como uma consequência inevitável por sermos fiéis aos objetivos do projeto.
Scott MacLeay,
Florianópolis, Brasil, 6 de janeiro de 2020